quinta-feira, 31 de dezembro de 2009



Demorou até que ele percebesse que o despertador não havia alarmado, aliás, ele nem lembrara que antes de dormir e fazer sua oração de agradecimento diária havia desativado. Já não se fazia necessário acordar junto ao sol e ele demorou a perceber isso. A partir desse dia resolveu inverter as coisas. Baixava compulsivamente temporadas dos seriados que lhe chamavam atenção e varria madrugadas com seus olhos atentos as conversas via messenger. Quando o sol nascia, ele dormia. Uma vez ou outra ele arriscou ficar sem dormir, afinal, era um tempo que ele nunca tivera por isso queria aproveitar o máximo e assim fez.
Seus olhos ficavam cansados, assim como seu corpo que havia sido abandonado pela natação e pela alimentação que vinha tendo. Ele aprendera novos hábitos e os praticava. Assistia, incontrolavelmente filmes pela madrugada que dormia enquanto ele estava lá, atento. Todos saíam para trabalhar e ele só estudava a noite. Vez ou outra desviava o caminho da faculdade, isso quando conseguia vestir-se para ir à aula. Passou a odiar suas roupas, seus tênis e tudo mais que olhava em volta. Em baixo do colchão foi escondida toda sua responsabilidade, junto de fotos que compunha um mural e recados apaixonados, outrora verdadeiros, naquele instante, só palavras em papéis coloridos. Seu quarto estava uma bagunça, assim como sua vida e sua mente. Ele não conseguia se concentrar. Era incrível. Faltou entrevista de emprego, foi estúpido com pessoas que amava e ainda brincou de ser orgulhoso. Não se arrependeu, contudo, agora faria diferente. Usou de alguns corpos e abusou de alguns desejos. Ah, disso ele se arrependeu. Tomou banho de chuva por duas horas seguidas. Deixou o carro destravado com tudo o que lhe restava dentro. Andou na contra mão, foi multado, perdeu sua habilitação. Ele percebeu que havia se enchido de si e perdeu-se dentro dele mesmo. Excedeu todos os limites dos cartões de crédito, brigou com o pai e deixou sua câmera fotográfica empenhada num posto de gasolina, pois não sabia que saíra sem dinheiro. Ele fugia da realidade que não aceitava. Tentou se aproximar de Deus e não conseguiu. Passou dois dias com a mesma roupa e sem dar notícias em casa. Desligou os celulares e os desligava com frequência. Não respondia sms, scraps nem absolutamente nada que o forçasse a falar de si. Algumas pessoas se aproximaram dele e ele permitiu. Seu amor concentrava-se em um peixe e em um cachorro de pelúcia. Ele percebeu que estava perdendo o amor por si. Foi ai que resolveu disseminar isso. Por vezes tomou café com um amigo numa tarde de segunda-feira, arriscava ir ao cinema nas quartas e não dispensava nenhuma espécie de convite que o fizesse sair de casa. Gastava o resto do dinheiro que lhe matinha com gasolina, trident e coca-cola, também comprou livros e filmes. Jamais roupas. Ele passou a detestar shoppings centers e descobriu sua diversão numa praça repleta de eucaliptos numa tarde ensolarada de quinta-feira. Ao meio dia de um dia de feira foi à praia e sentiu-se vivo. Depositou confiança nas pessoas, conheceu algumas e reconheceu outras. Ficou viciado nelas. Hoje ele percebe que a felicidade se esvai na simplicidade e encara isso de modo que o faça transmitir também. Perdeu relógios, roupas, uma correntinha na qual ele amava, emprego, namorada, chinelos e até a vergonha. Ele arriscou ser feliz e conseguiu.
Hoje, ele administra seu tempo, cumpre suas responsabilidades e fala que se as coisas melhorarem o mundo para a fim de aplaudi-lo.
Hoje, ele descobriu que não coleciona pessoa alguma, elas é que fazem questão de tê-lo por perto. E, quer saber? É isso que tem feito seus dias melhores.
E assim ele anuncia, que voltou.

Rubian Calixto – às 12h56 do último dia do ano da minha vida.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009


Enquanto o dia morre lá fora ele opta por entrar na escuridão da solidão que seus olhos refletem no espelho ainda embaçado. Aquele lugar obscuro dentro de si, onde todas suas fichas estão espalhadas pelo chão do apartamento cinza que outrora teve esperança erguida em paredes já não é tão nostálgico. Em meio à escuridão a cinza se evidencia como quem anuncia a que veio.

Já faz um tempo que ele não sabe o que é dormir em sua cama, a propósito, nem essa ele possui, contudo, isso não o impede de sonhar os desejos contidos em sua alma. Vez ou outra ele se pega vivenciando momentos complicados de olhos fechados e sente seu mais profundo sonho até perceber que o sol radiantemente o despertou com seus raios ultrapassando a janela da sala de estar. No sofá, ele permanece inerte até observar onde está e se dá conta de que se trata de um lugar familiar – mas nem tanto. Quando se permite esfregar os olhos e abrir a boca num bocejo preguiçoso é que se dá conta de que seus tímpanos já se sentem que o dia chegou. Algumas vezes, o abraço de um anjo o conforta e o faz acreditar que, mediante as circunstâncias, ainda existe algo de bom, a pureza de um anjo que não exige um "bom dia" nem explicações da noite anterior, apenas um abraço, um único e confortante abraço. E isso, talvez seja o suficiente.

Todos os dias ele pensa no que aconteceu e orgulha-se por ter sobrevivido tal catástrofe e ainda enfatiza que, caso tivesse em suas mãos o domínio dos acontecimentos, permitiria que tudo ocorresse do mesmo jeito. Cada lamentação, cada lágrima, cada bem perdido, cada esforço de esquecimento o faz sentir-se mais forte e confiante.

Ao longo de seus dias ele foi se auto subestimando e tentando ser melhor. Não por mim, nem por uma amiga, família, por ninguém. Na verdade, hoje ele é um hedonista e busca seu prazer. Dança como se ninguém estivesse olhando, canta, sorri, chora, abusa, ousa. Tudo se desencadeou dentro dele. Seus medos e conflitos continuam, porém, são frequentes em suas batalhas diárias. E, ele persiste em obstruí-las.

Diariamente ele sobe aquele vão de escadas, gira a chave que já criou cativeiro em seu bolso, e, com lágrima nos olhos ele vai até o quarto onde não há nada além de cinzas.

Enquanto o sol vai se despedindo do dia atrás dele, ele sorri e cria memórias.

Hoje, ele deixou de acreditar no amanhecer para acreditar em si mesmo.


 

Rubian Calixtodedicado.