Enquanto o dia morre lá fora ele opta por entrar na escuridão da solidão que seus olhos refletem no espelho ainda embaçado. Aquele lugar obscuro dentro de si, onde todas suas fichas estão espalhadas pelo chão do apartamento cinza que outrora teve esperança erguida em paredes já não é tão nostálgico. Em meio à escuridão a cinza se evidencia como quem anuncia a que veio.
Já faz um tempo que ele não sabe o que é dormir em sua cama, a propósito, nem essa ele possui, contudo, isso não o impede de sonhar os desejos contidos em sua alma. Vez ou outra ele se pega vivenciando momentos complicados de olhos fechados e sente seu mais profundo sonho até perceber que o sol radiantemente o despertou com seus raios ultrapassando a janela da sala de estar. No sofá, ele permanece inerte até observar onde está e se dá conta de que se trata de um lugar familiar – mas nem tanto. Quando se permite esfregar os olhos e abrir a boca num bocejo preguiçoso é que se dá conta de que seus tímpanos já se sentem que o dia chegou. Algumas vezes, o abraço de um anjo o conforta e o faz acreditar que, mediante as circunstâncias, ainda existe algo de bom, a pureza de um anjo que não exige um "bom dia" nem explicações da noite anterior, apenas um abraço, um único e confortante abraço. E isso, talvez seja o suficiente.
Todos os dias ele pensa no que aconteceu e orgulha-se por ter sobrevivido tal catástrofe e ainda enfatiza que, caso tivesse em suas mãos o domínio dos acontecimentos, permitiria que tudo ocorresse do mesmo jeito. Cada lamentação, cada lágrima, cada bem perdido, cada esforço de esquecimento o faz sentir-se mais forte e confiante.
Ao longo de seus dias ele foi se auto subestimando e tentando ser melhor. Não por mim, nem por uma amiga, família, por ninguém. Na verdade, hoje ele é um hedonista e busca seu prazer. Dança como se ninguém estivesse olhando, canta, sorri, chora, abusa, ousa. Tudo se desencadeou dentro dele. Seus medos e conflitos continuam, porém, são frequentes em suas batalhas diárias. E, ele persiste em obstruí-las.
Diariamente ele sobe aquele vão de escadas, gira a chave que já criou cativeiro em seu bolso, e, com lágrima nos olhos ele vai até o quarto onde não há nada além de cinzas.
Enquanto o sol vai se despedindo do dia atrás dele, ele sorri e cria memórias.
Hoje, ele deixou de acreditar no amanhecer para acreditar em si mesmo.
Rubian Calixto – dedicado.
2 comentários:
Agora eu realmente li nas entre-linhas!
Este texto é lindo e tem dono.
Você arrasa,cara!
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