quinta-feira, 27 de maio de 2010

querido diário,


Começaria minha narrativa, enfatizando a data em que eu estive triste e resolvi visitar um abrigo de idosos. Minhas idas lá eram constantes, afinal, participar de um projeto social exige isso. Há mais ou menos um ano tive meu primeiro contanto com idosos, nesse lugar conheci uma senhora simpática que me falava sobre um mundo fantástico. Era como se ela fosse a Alice que estivera num país das maravilhas, contudo, ao contrário da Alice de Lewis Carroll, ela viveu num mundo maravilhoso mesmo, sem confusões. Não buscou em momento algum interferir nos planos dos outros ou tentou salvar a humanidade. Ela foi humana naturalmente, vivendo os dias e tirando deles o melhor proveito – e, sem dúvida, as melhores lições – sem ao menos perceber.
Dona Dulcineia, era intuitivamente comunicativa, sabia se expressar e falava pelos cotovelos. Cativante ao extremo conseguia atrair a atenção dos que se encontravam adjacente. Possuía um poder avassalador de conduzir uma conversa e até mesmo uma dança. Lembro-me da vez em que dançamos. E, me surpreendi como alguém com aquela idade ainda conseguia tal façanha. Enquanto dançávamos o sorriso estava no rosto e a distância entre os corpos era restritamente aplicada, afinal, a elegância e soberania imperavam sobre si. E, sobre mim também. Ela era uma dama. Falou-me de suas aventuras quando mais jovem e eu me permiti embarcar nas ondas de seu passado. Falou de corte, de aristocracia, de baile de máscaras e de cartas que escreveu para um cadete da aeronáutica. Contou-me também sobre um dentista que ia até sua casa fazer as consultas da família e do caso de amor que vivenciou com o mesmo. Gostava de jóias, de vestidos e livros. Colecionou sapatos quando mais jovem e os vendeu a fim de conseguir dinheiro para uma viagem para fora do país. Algumas vezes me deixei levar por suas conversas e passei a ser antagonista, participando eventualmente de algumas. Vez ou outra me chama de Inácio, segura firme minha mão e pedia para eu não sair dali, pois, alguém se aproximava e ela me queria para fazer ciúmes, somente. Outra vez me perguntou sobre as malas. Como alguém que pergunta de que horas você embarca. E também o motivo de eu tê-la deixado sozinha na noite passada. Dona Dulcineia me inseria de personagem para suas estórias ou então me usava como mais um. E isso nunca me importou, pois, estar com ela era o suficiente. Devido a alguns problemas pessoais acabei me afastando do projeto e conseqüentemente do abrigo. Meu egoísmo falou mais alto e eu infelizmente não a procurei mais. Entretanto, jamais esquecera àquela senhora incrível. Até que um sábado triste me trouxe a vontade de estar com alguém e isso infelizmente não foi possível.
Então, foi ai que resolvi voltar ao abrigo e em minha mente só alguém poderia tirar de mim a tristeza que assolava meu peito. Estacionei, entrei, procurei, não a encontrei e, nervoso, perguntei. A resposta que obtive foi a de que ela estava na enfermaria. (Por vezes já pensei em escrever algo sobre a sensação de estar na enfermaria deste lugar e mais uma vez, deixarei isso para outro post.) Chegando lá procurei maca por maca e meu peito doía a cada olhar. Uma respiração diferenciada me chamou atenção e meu olhar foi de encontro a onde D. Dulcineia se encontrava. Meus olhos automaticamente encharcaram-se de lágrimas e eu me aproximei. Segurei firme sua mão e disse: “D. Dulcineia, sou eu.” O silêncio se encarregou em me responder. Seu estado me deixou transtornado, todavia, insisti. Ainda com a mão dela entre a minha eu disse: “Se a senhora lembrar de mim, por favor, aperte minha mão.” D. Dulcineia apertou bem os olhos como quem enxerga a solidão.

Rubian Calixto – às 17h35 após lembrar que isso foi exatamente dia 1º de maio.

3 comentários:

Rafa disse...

Perfeito, Ruby.

Camille Suellen disse...

Fan-tás-ti-co, você escreve magicamente incrível! Lindo de ler, lindo!

Jecoidzar disse...

Dona Dulcinéia é sem dúvida um ser humano iluminado!